Negros ainda estão fora do Parlamento

20/04/2010 00:18

 Negros estão fora do Parlamento

 

Fonte: Jornal Questões Raciais

 

 

 

Os negros, apesar de serem maioria étnica no Brasil,  estão fora do parlamento no pais. Nas eleições de 2006, na qual foram eleitos deputados estaduais e deputados federais, menos de 1% dos eleitos eram autodeclarados negros. Os negros que chegaram ao parlamento na ocasião totalizavam 31 deputados estaduais desse grupo étnico. PT e PSB são os partidos que mais elegeram parlamentares negros, 10 e 5, respectivamente. Estes dados constam da pesquisa " Balanço eleitoral do voto étnico e a presença de negros no parlamento" , realizada, em outubro passado, pela Unegro-MG (União dos Negros Pela Igualdade) do PC do B, com o apoio da Pró Reitoria Adjunta de Graduação da Universidade Federal de Ouro Preto. A pesquisa foi feita em 27 Assembléias Legislativas, Distrito Federal, Câmaras Municipais das capitais brasileiras e nas 20 maiores cidades do estado de Minas Gerais, segundo Alexandre Souza, um dos coordenadores do levantamento de dados. 

Segundo o balanço, em 2006, a esquerda elegeu 15 contra dois de partidos mais conservadores (PP e PSDB). A grande maioria dos parlamentares negros eleitos pertence a base de apoio do governo federal, totalizando 22 deputados estaduais. O Nordeste,  cuja população negra ultrapassa os 70% (de acordo com dados da Fundação SEADE,  de 2005), perde para o Sudeste em número de afrodescendentes eleitos: 12 a 11.

O estado que mais elegeu negros para o parlamento estadual foi o Rio de Janeiro, campeão absoluto no número de eleitos: 8 . Mas as contradições não param por ai. Por exemplo,   somente os estados da Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Amapá e Minas Gerais têm em suas Assembleias Legislativas comissões ou frentes parlamentares de promoção de igualdade racial. A Frente Parlamentar de Igualdade Racial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, além de ter a quase totalidade dos deputados, 42 membros, num total de 77 eleitos, tem também a maior diversidade de composição, com integrantes oriundos das principais igrejas evangélicas, nomes de peso do empresariado e os "caciques" da base de sustentação do governador Aécio Neves (PSDB), no Legislativo estadual.

A Frente Parlamentar de Igualdade Racial mineira só perde em quantidade de membros para a Frente Parlamentar de Defesa da Criança e do Adolescente, que tem exatamente 77 deputados. Essa pouca presença dos negros nos parlamentos estaduais se repete também nas capitais, onde a baixa quantidade de vereadores negros eleitos nas eleições de 2008 indica uma exclusão social da população negra no quesito poder. Nesse mesmo  ano, foram eleitos 52 vereadores negros, sendo 7 do sexo feminino, a maioria deles eleitos por Salvador, a cidade brasileira que mais elege vereador negro no Brasil e a maior parte filiado ao PT ( 9), PSB (4) e PC do B (4).

 

Primeiro deputado negro

 

Viva a República sem o preconceito de cor! Esse foi o lema usado para garantir a posse do primeiro negro a ser eleito deputado na história brasileira, o doutor em Direito e abolicionista, nascido em Recife, em 1867, Monteiro Lopes. Ele só conseguiu tomar posse em 1909 depois de muita agitação em prol de seu mandato e da participação do negro na vida política nacional. 

Em situação semelhante encontra-se a atual legislatura do congresso nacional, onde apenas 5% dos congressistas são negros, o que equivale a 25 deputados e deputadas. Já a Frente Negra do Congresso Nacional, criada em maio de 2007, tem uma composição bem melhor e até certo ponto expressiva, 220 deputados e quatro senadores, sendo o PT o partido que mais têm membros, com 70 deputados, seguido do  PMDB( 44),  DEM(12) e o PSB ( 11). Os senadores dessa frente são oriundos do Bloco PT/PCdoB. No entanto, somente nove partidos políticos dos 27 legalmente constituídos no TSE-Tribunal Superior Eleitoral -, têm secretarias dedicadas aos negros. São eles: PHS, PT, PMDB, PDT, PTB, PRB, PSTU, PCO, PSDB, com o seu Tucanafro.

Mas, diferentemente da eleição federal e estadual, a eleição municipal deu à região Nordeste a grande quantidade de vereadores eleitos, 27, sendo 12 no Sudeste e três na região Sul. Outra contradição nesse pleito de 2008 é o fato de Aracaju, capital de Sergipe, ter eleito, o presidente da Câmara Municipal e mais 2 vereadores negros, do PT e do  PT do B.  No entanto,  a casa legislativa não tem a sua Frente Parlamentar Municipal de Igualdade Racial. Esta iniciativa só existe em Salvador e Belo Horizonte. Porém, a capital mineira perde para Betim, da Região Metropolitana de Minas Gerais, em quantidade de vereadores negros eleitos em 2008. Betim elegeu cinco vereadores afro e é a cidade mineira que mais elege vereador e vereadora negros.

De acordo com os pesquisadores Amaury de Souza (1971), Mônica de Castro (1992) e Nelson do Valle (1985), os negros têm comportamento eleitoral diferente dos brancos. Por exemplo, em 1960,  os negros votaram mais em Jango (João Goulart), o que comprova a vocação em votar em candidatos do campo trabalhista e populista. Outros exemplos são as eleições de Leonel Brizola e de Benedita da Silva para o governo do Rio de Janeiro. Essa guinada deu-se acentuadamente a partir da Constituição de 1988 com a permissão do voto dos analfabetos em que milhões de cidadãos negros foram alçados ao processo eleitoral. Este sentido,  o sociólogo Antonio Sergio Guimarães, autor de Classes, Raças e Democracia, ressalta que o voto étnico não é uma exclusividade da comunidade negra, pois fora e é utilizado pelos italianos, sírios-libaneses e portugueses.

 

 

" EXISTE UM APARTHEID NÃO OFICIAL NO BRASIL"

Um dos coordenadores da pesquisa sobre o negro no parlamento brasileiro, Alexandre Souza, da Unegro ( União dos Negros pela Igualdade), em Minas Gerais , destaca que  o levantamento de dados nos parlamentos (municipal, estadual e federal) demonstra que o Brasil precisa mudar, pois, apesar ter a maior população negra do mundo ( depois da Nigéria), o afrodescendente está subrepresentado no Legislativo. Veja trechos de sua entrevista ao QUESTÕES NEGRAS:

QUESTÕES NEGRAS - Qual a opinião da Unegro-Minas sobre os resultados desta pesquisa? Os partidos se mostram racistas e por isso inviabilizam negro no parlamento?

ALEXANDRE-   A pesquisa revela um dado chocante:existe um apartheid não-oficial no Brasil quando se trata da participação dos negros no quesito poder. Ou seja, os negros estão fora do poder no país. Isso não quer dizer que os partidos são racistas, mas que o Movimento Negro optou por pressionar os governos na onda de redemocratizaçã o do pais na década de 80; como exemplos cito: a ligação com a esquerda, a pressão na Constituinte de 86 e a maior consciência política com os votos dos analfabetos a partir da Constituição de 1988. Isso trouxe uma massa negra para o eleitorado, o que foi bom em certa medida para ajudar a pressionar por leis em prol da população negra. Mas, apesar de ter feito uma boa lição nessa opção por pressionar os governos, o Movimento Negro deixou de lado, esqueceu, o poder político propriamente dito. A própria ONU ( Organização das Nações Unidas) fez uma Conferência Mundial contra o racismo em 2001 orientando governos a disponibilizarem programas e ações contra o racismo no mundo. Portanto, estava dava uma cartada correta, porem insuficiente para tirar o negro da marginalidade. Que agora volta a incomodar com os resultados gritantes que a pesquisa apresenta.

QUESTÕES NEGRAS- Qual a perspectiva da Unegro para as eleições 2010? Crescerá ou não o número de representantes negros no congresso e nas assembléias estaduais ?

ALEXANDRE - No caso da Unegro,  ela vê esses resultados da pesquisa como tarefa que não pode ser negligenciada por nada nesse mundo. Se queremos ser respeitados de fato, precisamos nos instrumentalizar de todos os meios, inclusive do poder político onde nós vamos liderar um processo de transformação social com base social. E para negros e negras terem a hegemonia desse processo terá que se politizar, educar e preparar novas gerações para cumprir com êxito essa tarefa. Quanto a 2010 será um  dos melhores anos da vida da Unegro porque ela de certa forma vem se preparando nos últimos 20 anos para esse novo quadro político que se apresenta. Mas para o conjunto da população negra, essa realidade ainda não será vitoriosa porque precisaremos de mais alguns anos de vida política intensa para galgar esse espaço que é nosso por direito e legitimidade. Talvez só a partir de 2012, com a aprovação do Estatuto de Igualdade Racial, que impõe cotas de 10% de negros e negras nos partidos políticos, é que poderemos reverter o quadro de subrepresentaçã o parlamentar negra. E quem tem essa missão é principalmente a juventude negra, pois é ela quem vai ocupar essa espaço vazio  do negro no poder nacional.

(Extraída do jornal QUESTÕES NEGRAS, no. 5, de dezembro de 2009, Rio de Janeiro)