A omissão do Estado na questão dos índios Guarani-Kaiowá

29/10/2012 10:57

A omissão do Estado na questão dos índios Guarani-Kaiowá

 

Franklin Sá

A situação enfrentada pela tribo guarani-kaiowá,  no Mato Grosso do Sul, tem mobilizado a população brasileira, diante da omissão do Estado, a quem cabe a tutela e pela decisão da Justiça Federal, cuja ação tem gerado o aumento da violência contra a vida desse povo, além de ignorar os direitos de sua sobrevivência..

Mesmo sem muita divulgação de parte da imprensa, por não dá audiência e nem vender jornal, talvez, se o ocorrido fosse o contrário, aí sim estariam bradando, chamando-os de invasores e outros adjetivos ainda mais pejorativos, como fazem contra os Sem Terras, este povo  vem  enfrentando uma  luta, que já dura anos, contra as investidas de latifundiários do agronegócio, de multinacionais e dos pistoleiros contratados pelos fazendeiros, sem contar com o mínimo apoio dos governos federal ou estadual.

A difícil situação que os guarani-kaiowá têm enfrentado, não é muito diferente do que podemos assistir em  outras regiões brasileira, ou seja, um processo organizado e calculado de expropriação territorial, que tem como único objetivo, apropriar-se dos recursos naturais existentes, sem respeitar os básicos direitos das populações ali já instaladas, violando-os sem o mínimo pudor, e que é pior, muitas vezes,  com o apoio do judiciário, quando não do próprio governo.

Quando nossas autoridades irão compreender que, quando o Brasil foi “descoberto” quem recepcionou os portugueses foram os índios? Que eles estão aqui a mais de 1.600 anos, e que não deveriam permitir que o “homem branco”  os desrespeitassem? Será que o governo federal não entende que o que os índios querem não é  toda a extensão de terra a que teriam direito e sim, uma quantidade de terra que seja suficiente para eles se estabelecerem e poderem se desenvolverem e crescerem, além de produzir o necessário para a sua sobrevivência hoje e futura e cujas áreas sejam agricultáveis e próximas aos rios, como o era antes do descobrimento?

Que os nossos índios querem é ter um tratamento de humanos e que sejam estabelecidos programas sociais voltados para a causa indígena, além de que seja combatida  a corrupção e os desvios de recursos pela Funai.

Hoje o que se vê é que mesmo nas áreas já demarcadas o atendimento é feito de forma precária. São escolas caindo aos pedaços, com uma grade curricular que busca aculturar os povos e  prefeitos de diversas cidades  demitindo professores indígenas sem consultar às comunidades, substituindo por brancos para seus postos.  Na saúde, as denúncias de desvios e ineficiência são uma constante. Na área de habitação, casas são construídas com verba federal, entregues cheias de defeitos e com acabamento precário, sem que a Funai assuma a mínima responsabilidade pela sua fiscalização.

O que impressiona na causa da tribo guarani-kaiowá é, a dimensão que o problema assumiu e o grau de acirramento dos conflitos. Quem trabalha ou estuda as causas indígenas, sabe que no Mato Grosso do Sul, depois da Amazônia é onde está localizada a segunda maior população indígena do País, com  73.295 pessoas. São grupos indígenas que por falta de demarcação de suas terras vivem distribuídas por mais de 30 terras indígenas e 31 acampamentos à beira de estradas ou em pequenas porções de terra dentro de fazendas.

Relatórios de diversas entidades nacionais e internacionais a respeito da situação dos guarani-kaiowá, apontam como um dos maiores desafios atuais do governo brasileiro na área dos direitos humanos.

É do conhecimento dos envolvidos com a causa indígena, que um dos fatores que tem contribuído para o agravamento da situação no Mato Grosso do Sul e particularmente dos guarani-kaiowás é o grande poder político das elites, acentuado na conjuntura atual, onde o agronegócio se tornou um dos pilares da política econômica.

O que se vê na região é um mar de soja, cana-de-açúcar e pastagens para o gado bovino, explorados por grandes empresas nacionais e multinacionais, todos eles implantados sobre as terras reivindicadas pelos nativos, cujas terras outrora, fora uma região de grande biodiversidade, com matas ricas em madeiras nobres, como a peroba, o cedro e a aroeira.

Este poder econômico e político hoje  fortemente associado ao capital transnacional e maior financiador do agronegócio, tem demonstrado sua força e protelado ao máximo o processo de demarcação das terras na região.

O que se tem visto de forma clara é que desde que o movimento indígena Aty Guasu passou a organizar ocupações de terra como estratégia para pressionar o Estado brasileiro a agir na região, o governo federal através da Funai tem atuado de forma pontual, procurando apenas minimizar o problema, sem buscar uma solução estrutural definitiva  para os conflitos.

Como exemplo desta situação inusitada é que, quando uma área é ocupada,  somente a partir daí é que a Funai age, iniciando o processo de identificação e delimitação, apenas daquela área, sem se preocupar com as demais. Se não é um crime pelo menos uma alta irresponsabilidade ou conveniência com as elitas locais..

O movimento guarani-kaiowá luta pela recuperação das terras, não é de agora, ele surgiu na década 80, no bojo da redemocratização, ao mesmo tempo em que se organizavam os setores populares de todo o País.

Ao longo de sua luta, os guarani-kaiowá tem assistido seu território ser invadido por milhares de colonos, fazendeiros, empresas nacionais e até multinacionais, contando com incentivo oficial, tanto federal quanto estadual, sem que pudessem reagir a espoliação que estavam sendo submetidos, sob pena de serem tachados pelos órgão que se diziam indigenistas, de “comunistas” ou “subversivos, por estarem impedindo o desenvolvimento do estado.  

Apesar de alguns organismos acreditarem que os casos de morte dos índios não estão relacionados com a disputa judicial, coincidentemente, os problemas começaram a surgir, a partir do momento que os recursos naturais das antigas áreas se esgotarma, há cerca de 30 anos. A partir daí, os guarani-kaiowá vem enfrentando situações constrangedoras, como: conflitos entre as famílias, suicídios dos jovens, desnutrição infantil, motivados pela falta de terras, o que tem obrigados aos homens, saírem em busca de trabalho, muitas vezes para longe da família, principalmente nas usinas de cana-de-açúcar, cujas denúncias da precariedade das condições trabalhistas, tem sido comum. Isto sem contar com a situação de faltas de oportunidades para os jovens, levando-os ao desespero.

Hoje vivem confinados em pequenas porções de terras insuficientes para as necessidades das comunidades, fruto de uma política perversa de demarcação praticada pela Funai, de pequenos lotes, para não prejudicar o agronegócio.

A partir do instante que as demarcações passaram a contemplar áreas maiores, os fazendeiros contaram com o apoio do judiciário. Das três áreas homologadas no governo Lula, duas foi barrada por liminares de ministros do Supremo Tribunal Federal. Uma em 2005, suspensa por Nelson Jobim, e, em 2009, embargada por Gilmar Mendes. Com essas decisões, os fazendeiros da região se sentiram fortalecidos, tornando as disputas cada vez mais violentas.

Os assassinatos de lideranças ocorreram e tem ocorrido sem que esferas policiais e jurídicas ajam contra os culpados. São crimes que tem alcançado repercussão internacional, como o da morte de Marçal de Souza, em 1983, e de Marcos Verón em 2003, lideranças de destaque no movimento. Entre 2005 e 2006, ganhou destaque as mortes das crianças indígenas em decorrência da desnutrição infantil. Como forma de combater o problema, o governo intensificou a distribuição de cestas básicas. Porém, a solução definitiva, que é a demarcação de área que lhes dê condições de sobreviverem, esta não é tomada.

Em 2007, a Funai assina com o testemunho das lideranças indígenas, Compromisso de Ajuste de Conduta se comprometendo resolver definitivamente a situação. Em julho de 2008, tem início os trabalhos para identificar e delimitar as terras indígenas, divididas de acordo com as bacias hidrográficas da região. Estamos chegando ao final de 2012, e os problemas persistem por omissão do governo, através da Funai.

Na época, fazendeiros e políticos do estado difundiram a versão, desmentida pela Funai, de que as terras a serem demarcadas poderiam chegar a 12 milhões de hectares, quase um terço do Estado, quando na verdade não passava de 600.000.

Enquanto os políticos pressionavam o governo federal, os fazendeiros buscavam impedir o trabalho das equipes da Funai usando todo tipo de artifício jurídico. E assim tem sido a situação até os dias atuais. O resultado da omissão tem sido uma série de conflitos sangrentos, desde 2009. Sem uma ação mais contundente do poder público, certamente os problemas continuarão a ocorrer.

Cada vez mais fortalecidos, os fazendeiros se rodearam de pistoleiros, que ameaçam diuturnamente os índios, quando não os “requisitam” para exercerem o trabalho as escravo, enquanto as mulheres são estupradas e ou transformadas em prostitutas para servirem aos bandidos armados. Esta é a situação e o gverno, de quem se espera uma ação, continua omisso.