Advogada Mapuche Sandra Painelifu - Indígenas urbanos: a pupila desintegrada.

18/09/2012 14:27

Advogada Mapuche Sandra Painelifu

"Indígenas urbanos: a pupila desintegrada."

Andrés Figueroa Cornejo/Adital

São muitas as formas e as razões do exílio e do autoexílio. Políticos, econômicos, culturais, internos, individuais e coletivos. Todos são dolorosos. Por isso, são empregados pelos poderosos como alternativa à morte imediata contra os que obstaculizam sua mordida insaciável, contra a resistência, contra os que qualificam como ‘resto’.

Os indígenas que vivem na cidade, longe de suas comunidades originárias, desalojados pela miséria e pelo despojo, sofrem seu exílio mudo; são pupila desintegrada entre inúmeros.

Sandra Painelifu, Mapuche de Neuquén e advogada, faz parte da Comissão de Juristas de Indígenas da República Argentina. Colocou sua profissão a serviço da causa de diferentes povos indígenas na Argentina e também no exterior.

Agora, dedica-se a defender aos indígenas ‘da cidade’. Diz que no país "Não existem estatísticas do número de indígenas. Em 2004, realizou-se uma pesquisa complementar ao Censo de 2001, que estimou uma população indígena de 600 mil pessoas; porém, não discrimina os que habitam zonas rurais e áreas urbanas”.

No programa radial ‘Canto Libre’, da Radio Sur (https://www.radiosur.org.ar/), entrevistamos Sandra Painelifu.

O que caracteriza teu trabalho jurídico?

Sandra Painelifu Que todos os casos indígenas estão vinculados à discriminação. Em minha comunidade, tivemos que defender a recuperação de uma escola que estava assentada em nosso espaço e o governo havia cedido sua administração a uma congregação religiosa. Começamos a lutar para que a escola promovesse nossa cosmovisão ancestral e ganhamos. Sempre questionam que incentivemos uma educação intercultural, dizendo: "O que os indígenas podem nos ensinar?”. Para eles –o Estado e suas extensões- primeiro, fomos incapazes, analfabetos, brutos, selvagens. Atualmente, somos considerados ignorantes.

Em que situação encontram-se as lutas indígenas?

Sandra Painelifu -  Que todos os casos indígenas estão vinculados à discriminação. Em minha comunidade, tivemos que defender a recuperação de uma escola que estava assentada em nosso espaço e o governo havia cedido sua administração a uma congregação religiosa. Começamos a lutar para que a escola promovesse nossa cosmovisão ancestral e ganhamos. Sempre questionam que incentivemos uma educação intercultural, dizendo: "O que os indígenas podem nos ensinar?”. Para eles –o Estado e suas extensões- primeiro, fomos incapazes, analfabetos, brutos, selvagens. Atualmente, somos considerados ignorantes.

Nos encontramos frente a distintos níveis de conscientização como povos. Por isso, alguns estão em uma escala de reivindicação maior, questão que acontece em todos os planos e lutas setoriais. Alguns saem do cotidiano e vão para a esfera pública. Falo dos Mapuche, Guarani, Ayamara, Quichua, Colla e do povo Qom, do qual, ultimamente, temos várias notícias devido à resistência que estão eferecendo.

O que acontece com os demais?

Sandra Painelifu -  Em geral, os povos indígenas se caracterizam por reivindicar desde o silêncio. E isso tem a ver com o que significa a assimilação, a segregação, o despojo, o desarraigo.

Território e Migração

Que distância existe entre terra e território?

Sandra Painelifu - O território, em termos universais, não somente é o tangível, mas é onde estamos imersos e o que nos permite recriar a cosmovisão, a espiritualidade, a cultura e o ser pessoa. Isto é, a terra para os indígenas é um conceito muito mais amplo do que o puro valor econômico que comporta; é onde se pode realizar a vida em plenitude e se produz a interrelação entre os distintos elementos q eu estão na natureza onde o ser humano é um elemento a mais. Por isso, os povos indígenas sem território não podem desenvolver-se como tais.

Por que migrar para a cidade?

Sandra Painelifu -  Muitos tiveram que migrar com a esperança de contar com melhores condições de existência. Lamentavelmente, desde a Conquista, ficamos sem gente. De fato, quando se fala de reparação histórica, não se fala nesse aspecto. Então, que haja reformas legais, que se reclame ou enuncie direitos não é suficiente; temos que ir ao concreto.

E a vida melhorou?

Sandra Painelifu - Após a Conquista, nos tornamos indigentes. E no caso dos povos indígenas e seus descendentes que tiveram que migrar sua situação é ainda mais complicada porque, ao trasladar-se à cidade, ficam despojadas e, em muitos casos, não podem voltar ao seu território original. Desse modo, ficam bem preocupadas porque enquanto suas famílias continuaram desenvolvendo-se em espaços cada vez mais reduzidos, os arames farpados continuam existindo com a desculpa das personalidades jurídicas que registram ou não a população. Por outro lado, a situação de indigência torna proibitiva a capacitação. Nesses últimos 10 anos foram entregues muitas bolsas de estudo; porém, são insuficientes. São procedimentos muito burocráticos e associados à corrupção. Em várias ocasiões, as comunidades –que, às vezes, são meros redutos- continuam reduzindo-se enquanto a população cresce. Essa é a realidade dos indígenas urbanos. Mesmo se quisermos regressar, já não tem lugar para nós.

Folclore e Castigo

O que acontece com a identidade indígena na cidade?

Sandra Painelifu - Num primeiro momento, isso foi visto como uma questão ‘folclórica’, devido à falta de consciência, negação e alienação cultural proveniente do Estado, da Igreja, da escola e da justiça. Isso fez com que muitas pessoas perdessem e esquecessem sua identidade de povo. Então, uma porcentagem de indígenas urbanos fez de tudo para ‘descaracterizar-se’ enquanto indígena. Isso é obra do poder, para ‘folclorizá-los’.

Que perspectivas vês na causa indígena?

Sandra Painelifu - De uns 50 anos para cá, começamos a reivindicar a condição de povo indígena. Consequentemente, já se trabalha outras pautas, dentre as quais surge com força a luta pelo território e a demanda de participação em todas as questões que nos competem. Atualmente, por exemplo, estamos debatendo sobre as modificações no Código Civil e a inclusão da propriedade comunitária e indígena, que é totalmente antagônica ao conceito de propriedade privada, e que tem status constitucional. Porém, claro, o Estado pretende enclausurar nossa posição no direito privado, sem consultar aos povos indígenas.