Mulher - Vencendo Barreiras e construindo a História

05/08/2010 22:39

Mulher - Vencendo Barreiras e construindo a História

*Fernanda Tardin

Um dos aspectos mais significativos da última pesquisa sobre intenção de votos para a escolha do próximo presidente da República, para além da vantagem que Dilma Roussef abriu sobre José Serra (superou uma frente a favor do tucano de 20% dos votos em dois meses) foi o crescimento da candidata do presidente Lula entre o eleitorado feminino. Pela primeira vez desde a última pesquisa Dilma conseguiu superar Serra no eleitorado feminino e com índices a não deixar dúvidas sobre o comportamento desse eleitorado. Obteve 55% dos votos entre as mulheres.

 

Celso Furtado afirmou que “a revolução feminista é a mais importante revolução do século XX”. O caráter machista da sociedade transcende àquela forma simplista de ver o mundo com o homem comandando a mulher e relegando-a a planos de atividades domésticas e uma ou outra condizentes com o papel que sempre lhe é atribuído. O de mãe, de parideira.

 

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A afirmação de Celso Furtado dizia respeito e se confirma no seu conteúdo de revolução capaz de mexer e modificar estruturas políticas, econômicas e sociais, machistas na sua essência.

 

Uma das características do capitalismo é a capacidade de apropriar-se de ícones, de transformações que possam vir a colocar em risco o regime de economia de mercado e todo esse alicerce machista.

 

A questão não se resume a uma revolução em que a mulher passa a ficar por cima. O capitalismo em si é machista e suas bases são machistas.

 

Em função disso a tentativa de apropriação do ser mulher e sua incorporação ao processo capitalista, transformação em objeto, mercadoria, liberdade conceituada como direito de assumir-se apenas e tão somente sexualmente, a afirmação de conceitos de beleza dentro de padrões ditados pela indústria, pelo poder econômico, essa realidade brutal acabou por frear a revolução feminista no seu sentido original e tomou contornos de exibir a mulher como o ser capaz de mover o mundo em função de pernas, seios, bundas e todos os outros atributos físicos na pressuposta liberdade de dona do próprio corpo.

 

Os salários, as condições de trabalho, os espaços ocupados, com raras exceções, derivadas do próprio processo capitalista, necessárias inclusive (se ela pode por que eu não?) permaneceram inferiores ao ser homem.

 

Uma fratura se abriu na revolução feminista. De um lado a mulher livre, mergulhando num mundo complicado e difícil cujo fim lotou consultórios de psiquiatras e psicanalistas, seres solitários, de outro a mulher que se voltava ao passado e se reincorporava à situação de dona de casa, mãe e esposa. Uma pequena minoria empunhou a bandeira revolucionária do movimento.

 

Entrar no mundo político passou a ser um objetivo decorrente dessa etapa do processo revolucionário percebido por Celso Furtado e poucas não foram as dificuldades. O capitalismo, ao mesmo tempo que apropriou-se da revolução e transformou-a em espetáculo, tanto criou Gisele Bunchen, como a miss laje do subúrbio. Mercadoria para consumo nos diversos segmentos do mercado.

 

A mulher política passou a ser vista como com desconfiança pelo eleitorado feminino ainda duvidando da capacidade do ser mulher.

 

No caso do Brasil, a criação de uma cota nos partidos para as candidatas mulheres em nada contribuiu para mudar a situação num curto prazo. As mulheres apenas completavam essa cota para efeitos legais. Começa agora a produzir seus efeitos e a atingir seus propósitos.

 

Aos poucos os avanços foram se efetivando e não foram poucas as lutadoras que mesmo sob estigmas criados pelo próprio modelo, romperam os conceitos machistas de liberdade do corpo como se fosse a liberdade de prostituir-se de forma diversa, mas a seu talante, de ser ou não ser mãe, transformando-se em exemplos vivos do caráter revolucionário de busca de uma sociedade igualitária, aquela onde o ser mulher e o ser homem se completam em condições de respeito e a condição de mulher não invalida e nem é olhada com desconfiança pela própria mulher.

 

Dilma Roussef como tantas outras foi capaz de romper essa barreira. E nem se fala aqui da questão ideológica. Muitas buscaram o mundo político dentro do caráter espetáculo intrínseco ao capitalismo, outras como clavas de afirmação de um processo revolucionário capaz de refazer estruturas políticas, econômicas e sociais que são em sua natureza histórica machistas.

 

A mulher deixou as ante câmeras, os véus e os olhos abaixados pela percepção de si em cada uma e no todo.

 

O que a pesquisa CNI/IBOPE (Confederação Nacional das Indústrias e Instituto Brasileiro de Opinião e Pesquisa) mostra é que foi retomado e começa a ser percebido em seu todo o caráter de revolução da caminhada libertária da mulher.

 

Não tem a ver com cama, com estrelismo barato e vulgar de um espetáculo degradante, mas com ser mãe, lógico, tanto quanto ser protagonista de um novo mundo que se constrói e com certeza à revelia do capitalismo.

 

A luta, é preciso perceber, é que essa caminhada tem o caráter essencialmente anti capitalista, de enfrentamento, pois um mundo igual – homem e mulher – não pode ser e nem será um mundo capitalista.

 

Está aí o significado, a grosso modo e numa primeira análise, da vantagem que Dilma Roussef começa a impor sobre José Serra no eleitorado feminino, ao contrário do que acontecia em eleições anteriores e que acabou criando o dito “mulher não vota em mulher”.

 

Vota sim e sabe que o ato de votar está muito além de escolher essa ou aquela candidata, mas representa avanços efetivos e concretos, objetivos, no processo revolucionário e esse implica num outro mundo.

 

Esse é um momento agudo e decisivo de toda essa luta.

 

·         Fernanda Tardin é jornalista e presidente da IGRAT   Edita os blogs Juntos Somos Fortes e Direitos Humanos e articulista da Revista Reciclar Já!