O doente com AVC

10/09/2012 12:58

 

O doente com AVC

AVC-03/11/2011

Ilustração: google Imagens

A Doença Vascular Cerebral, habitualmente chamada AVC (Acidente Vascular Cerebral), é uma das principais causas de mortalidade e de morbilidade dos países ocidentais (3ª causa nos USA e 2ª em todo o Mundo). Em Portugal é a principal causa de morte, de morbilidade e de internamento hospitalar. Em 2002, 20% das mortes ocorridas no nosso país, foram devidas a AVC, estimando-se que tenham ocorrido cerca de 9 AVC por hora.

Em geral, é uma doença do idoso (72% dos casos) com uma incidência de 9.4/1000 em idades superiores a 75 anos e de 2/1000 em idades inferiores a 55 anos, mas foi no entanto a 4° causa de mortalidade entre os 45 e os 65 anos no ano 2002.
É mais frequente nos doentes do sexo masculino com uma relação de 2 para 1.5 e, nos doentes de raça negra 65% dos AVC ocorrem abaixo dos 65 anos.3
Assim, o AVC é uma doença extremamente frequente, embora subestimada, em que os recursos terapêuticos são, ainda escassos a recuperação é prolongada e dispendiosa e as sequelas enormes.

O impacto desta doença nos doentes e suas famílias é enorme visto originar uma diminuição da qualidade de vida, um aumento da incapacidade física, intelectual e da dependência, ficando cerca de 25 % dos doentes totalmente dependentes.

O AVC não é uma doença imprevisível nem irreversível, visto os factores de risco serem facilmente identificáveis e a sua redução diminuir as recorrências. Alguns autores defendem que cerca de 80% dos AVC podem ser prevenidos. Estima-se que em Portugal evitar-se-ião cerca de 175.000 AVCs nos próximos 10 anos caso se aplicassem as recomendações da prevenção secundária. Deste modo impõem-se o controlo efectivo dos factores de risco modificáveis neste tipo de doentes, principalmente o controlo da Pressão arterial. A hipertensão arterial (responsável por cerca de 6% da mortalidade mundial), é o principal, mas não o único, factor de risco de AVC, mas é aquele cujo tratamento mais benefícios produz. Durante os últimos 30 anos o tratamento da hipertensão melhorou muito, contribuindo para um decréscimo na mortalidade por AVC.

No entanto a maior parte dos doentes hipertensos continua com a PA não controlada. Estudos recentes revelam que a prevalência da hipertensão arterial atinge cerca de 44% da população europeia com mais de 40 anos, que 30% dos doentes hipertensos desconhecem a sua doença e que 42% não são tratados com medicação. Infelizmente só 10-18% dos doentes tratados atingem os objectivos propostos ou seja têm valores tencionais inferiores a 140/90 mmHg.8 A hipertensão sub diagnosticada, não tratada e não controlada revela uma lacuna importante dos sistemas de saúde, levando a um aumento das suas complicações nomeadamente insuficiência cardíaca, insuficiência renal terminal mas principalmente da doença vascular cerebral (AVC).

A hipertensão deve ser encarada como um problema de saúde publica, mas o seu controlo depende do tratamento individual adequado. Se não forem recomendadas modificações do estilo de vida, utilizadas doses correctas de fármacos anti-hipertensores, ou associações apropriadas, a PA não é devidamente controlada.

A relação entre a Pressão Arterial e o risco de eventos cardiovasculares é continuo, consistente e independente de outros factores de risco e quanto maior for a PA maior a probabilidade de existir Doença Vascular Cerebral. Em indivíduos com idades entre os 40 e 70 anos de idade e para valores de PA de 115/75 a 185/115 mmHg, cada aumento de 20 mmHg na PA sistólica ou de 10 mm Hg na PA diastólica leva a uma duplicação do risco de AVC.
Por outro lado, nos doentes com idade compreendida entre 60 e 79 anos, a redução de cada 10mm Hg da PA sistólica reduz a incidência de AVC em um terço, sendo esta redução consistente até valores de 115 mmHg para todos os sexos e tipos de AVC.

Outros estudos demonstraram ainda, que a redução em 5 mmHg da PA diastólica estava associada a uma redução de 30-40 % no risco de AVC.
Assim, os benefícios de baixar a PA são enormes; estima-se que em doentes com hipertensão arterial e outros factores de risco cardiovasculares, uma redução mantida de 12 mmHg na PA sistólica durante 10 anos evita 1 morte por cada 11 doentes tratados, e que em doentes com doença cardiovascular ou lesões em órgãos alvo, só seria necessário tratar 9 doentes para evitar uma morte.

Diversos estudos prospectivos mostraram uma relação positiva entre a PA e o risco de AVC, não se tendo verificado o limite inferior de PA a partir do qual o risco de AVC não continue a diminuir.
Embora todas as formas de hipertensão arterial (sistólica e diastólica isoladas ou combinadas) estejam associadas a um risco elevado de AVC, a pressão arterial sistólica isolada é um factor preditivo mais importante do que a pressão arterial diastólica, principalmente nos idosos.

A Sociedade Europeia de Hipertensão e o JNC-7 divergem no que respeita à classificação da HTA, mas ambas recomendam que todos os indivíduos com HTA façam terapêutica medicamentosa, na maior parte dos casos com 2 ou mais medicamentos, para além da modificação dos estilos de vida.

A National Stroke Association recomenda 3 estratégias para diminuir o risco de AVC nos doentes hipertensos. Estas estratégias são:

  • A pressão arterial deve estar controlada em todos os doentes hipertensos;
  • Os médicos devem avaliar a TA em todos os doentes observados;
  • Os doentes hipertensos devem monitorizar a pressão arterial no domicilio.

A American Heart Association (AHA) sugere que a medicação anti-hipertensora deve ser iniciada de imediato se TA > 180/100 ou TA > 130/80 nos diabéticos ou insuficientes renais e se, apesar das modificações do estilo de vida durante 3 meses se mantiver TA > 140/80.

Uma meta analise (Blood Pressure Lowering Treatment Trialist Collaboration) que incluiu 13948 doentes com HTA, mostrou uma redução de 23% no risco de AVC quando comparou uma terapêutica antihipertensora mais agressiva com uma menos agressiva, e que existe pouca evidência de benefícios adicionais específicos relativamente às diversas classes de hipotensores.
Esta meta analise mostrou ainda que, embora todas as classes de antihipertensores tenham sido eficazes na redução da TA, a eficácia dos antagonistas do cálcio foi superior á das restantes classes.

Até ao momento podemos concluir que, embora se levante a hipótese de que alguns agentes antihipertensores (IECAS e ARA 2) tenham outras propriedades para além das hipotensoras, não existem ainda provas de que o seu efeito no AVC seja para além do efeito hipotensor.

 

Deste modo deve-se considerar que o principal objectivo na prevenção do AVC é a redução agressiva da Pressão Arterial.



Resultados semelhantes tinham sido apresentados numa meta-análise realizada em 62.605 doentes de nove estudos randomizados em que os IECAS, diuréticos, bloqueadores — beta e os antagonistas do cálcio, eram mais eficazes na redução do AVC.

A amlodipina origina uma vasodilatação arterial e uma redução da resistência periférica lenta e duradoira, visto a sua semi-vida ser de 30-50 horas, permitindo a administração em toma única diária e não perdendo a sua eficácia mesmo nos casos de esquecimento de uma toma.
Os antagonistas do cálcio, nomeadamente a amlodipina, quando usados em monoterapia, são particularmente eficazes na prevenção do AVC, comparativamente a outros agentes hipotensores.

No estudo ALLHAT, a percentagem de doentes em monoterapia, que atingiram os objectivos foi de 30%, mas no grupo de doentes que estavam sob amlodipina, essa percentagem foi substancialmente superior (39%).

No estudo VALUE recentemente apresentado, em que foram comparados 80-160 mg de valsartan com 5-10 mg de amlodipina durante 4,2 anos em doentes com risco cardiovascular elevado, não houve diferença no endpoint primário (morbilidade e mortalidade cardiacas). No que respeita aos endpoints secundários houve uma redução em 23% de novos casos de diabetes no grupo valsartan, mas houve menos enfartes do miocárdio e menos AVC no grupo amlodipina. Este facto parece dever-se à diferença de 1.8 mmHg (137.5 mmHg no grupo amlodipina e 139.3 mmHg no grupo valsartan) nos valores médios finais da PA sistólica.
Do exposto podemos concluir que, para além da idade, a hipertensão arterial é o principal factor de risco de AVC e que o controlo da pressão arterial é decisivo na redução da incidência do AVC. A terapêutica deve ser individualizada, e na maior parte dos doentes é necessário o uso de 2 ou mais medicamentos hipotensores. Para além de modificações do estilo de vida. Apesar do aparecimento de novas drogas hipotensoras a amlodipina desempenha ainda um papel importante no controlo tensional, especialmente nos doentes sem insuficiência cardíaca.