O racismo cortado na própria carne

16/05/2012 15:09

O racismo cortado na própria carne

Eufrate Almeida

Do ponto de vista artístico-musical, a análise sobre o vídeo divulgado nas redes sociais, onde o cantor Alexandre Pires e convidados aparecem fantasiados de gorila, é de extremo mau gosto. Quanto à ofensa étnica, é sabido pela maioria das pessoas que, associar a imagem do negro à primata é uma agressão que vem sistematicamente sendo praticada nos campos de futebol, em países europeus como Rússia, Itália, Espanha entre outros, com o ato de jogar bananas no gramado, objetivando desestabilizar emocionalmente os jogadores negros e por fim, tirar vantagem sobre isso e, invariavelmente, o objetivo é alcançado. As autoridades esportivas têm tentado, sem êxito, coibir tal prática impondo sanções aos clubes, aos quais pertencem os torcedores que se utilizam desse artifício.

 

No Brasil, até mesmo dentro de campo, não raro, se noticiam episódios em que jogadores se utilizam do artifício do xingamento com recorte racista, para tirar a concentração do outro. Haja vista o caso do jogador Grafite, xingado de “macaco”, pelo atleta argentino Leandro Desábato, num jogo válido pela Libertadores da América, em 2005, no Morumbi. O agressor ficou preso por dois dias, em São Paulo, sendo liberado em seguida. Em 2009, no Mineirão, o jogador Maxi Lópes, também argentino, ao chamar de macaco o volante Elicarlos do Cruzeiro, foi denunciado por racismo, mas, nada acontecera com o mesmo. Essas ações são repugnadas pela mídia, mas não têm sido punidas com o rigor que merecem, pelas autoridades.

 

Associar o primata ao ser humano, do ponto de vista espiritual, é até uma ofensa ao animal, pois sabemos que eles estão anos luz à nossa frente. Ideologia à parte, essa associação tem caráter racista e extremamente ofensiva a quem a ela é aplicada.

Em entrevista ao Fantástico, nesse domingo 13 de maio, dia da abolição da escravatura, o cantor de “pele escura”, alega: “sou negro e tenho orgulho da minha raça” (leia etnia), no mesmo momento em que ele dizia ter ficado chocado com as ações de racismo sofrido pelos jogadores brasileiros e africanos em campos europeus, especialmente com o Roberto Carlos, do qual é amigo, no episódio em que se atiram bananas sobre ele, relembrado pelo programa.

 

Quando um indivíduo de “pele escura” é promotor de uma ação que evidencia a associação do negro ao macaco, abre precedentes para fortalecer e ratificar as atitudes racistas como as dos campos de futebol, supracitadas e nas verbalizadas, endereçadas às crianças negras, em escolas brasileiras.

 

Embora se tratando de uma pessoa de “pele escura”, considero legítimo que o Movimento Social Negro reivindique uma ação punitiva ao cantor, por atitude racista, cortando na própria carne, para que episódios semelhantes não voltem a ocorrer dentro da própria etnia. Seria aplicar o princípio da reciprocidade: da mesma forma que um indivíduo pode, com uma atitude consciente ou não, prestar um desserviço à sua comuna, ele também possa responder civil e/ou criminalmente, pelos seus atos.

 

O que faltou no cantor foi o que chamamos de “Consciência Negra”. Talvez sua consciência se harmonize com alguns homens negros, que se casam com mulher não negra, para não terem a sensação de estar presos à escravidão (testemunho de alguns deles) ou para “salvar” a sua prole, pois, clareá-la, é protegê-la do preconceito por ele sofrido ao longo dos anos (estudos antropológicos). Esse pensamento medíocre e ordinário se compara ao pensamento de alguns negros ricos, que acreditam fazer parte de uma camada isenta do preconceito étnico, em razão de sua condição financeira.

 

Eufrato Almeida é Educador e ativista do Movimento Social Negro